O dia 13 de maio é oficialmente lembrado no Brasil como a data da abolição da escravidão, ocorrida em 1888 com a assinatura da Lei Áurea pela princesa Isabel. A lei, composta por apenas dois artigos, declarou extinta a escravidão no país e revogou disposições contrárias, sem incluir medidas de assistência ou integração para as milhares de pessoas libertas. O Brasil foi o último país das Américas a abolir formalmente a escravidão, após mais de 300 anos de exploração do trabalho de cerca de 4,9 milhões de africanos trazidos forçadamente.
A abolição ocorreu em um contexto de forte pressão interna e externa, envolvendo movimentos abolicionistas, como a Sociedade Brasileira Contra a Escravidão, criada em 1880 por Joaquim Nabuco e José do Patrocínio, crises econômicas e mudanças sociais que vinham se intensificando desde meados do século XIX. Antes da promulgação da Lei Áurea, outras legislações já indicavam uma tendência abolicionista:
- Lei Eusébio de Queirós (1850): proibiu o tráfico transatlântico de escravizados.
- Lei do Ventre Livre (1871): declarava livres os filhos de mulheres escravizadas nascidos a partir daquela data.
- Lei dos Sexagenários (1885): concedia liberdade aos escravizados com mais de 60 anos, embora poucos atingissem essa idade devido às condições de vida.
Além disso, algumas províncias anteciparam-se à legislação nacional: o Ceará aboliu a escravidão em 1884, seguido pelo Amazonas em 1885, impulsionados por movimentos locais e pressões sociais.
Lei Áurea e o 13 maio
A Lei nº 3.353 que ficou conhecida como “Lei Áurea”, composta por apenas dois artigos, extinguiu a escravidão no dia 13 de maio de 1888 sem prever medidas de inclusão social para os libertos que, do dia para a noite deixaram de ser escravos e passaram a ser pessoas sem onde morar, onde trabalhar, o que comer e o que vestir.
Estima-se que cerca de 700 mil pessoas foram libertadas e, sem nenhuma medida de integração social ou econômica prevista, muitos enfrentaram condições precárias de vida. A ausência de políticas públicas de integração contribuiu para a marginalização da população negra, cujos efeitos são perceptíveis até hoje nas desigualdades sociais e econômicas.
Embora a assinatura da Lei Áurea tenha sido celebrada em muitos locais do Brasil, o movimento negro contemporâneo questiona a efetividade da abolição. A data 13 de maio é, por muitos, ressignificada como um momento de reflexão e luta contra o racismo estrutural, evidenciando que a liberdade legal não se traduziu em igualdade de oportunidades.
Escravidão no século XXI
Apesar da abolição formal em 1888, o Brasil ainda enfrenta casos de trabalho análogo à escravidão. Segundo dados do Ministério do Trabalho e Emprego (MTE) e da Comissão Pastoral da Terra (CPT), em 2023, o país registrou o maior número de resgates desde 2009, com 3.151 trabalhadores libertados de condições degradantes, principalmente no meio rural, em atividades como cultivo de café e cana-de-açúcar.
Operações de fiscalização revelaram situações alarmantes de trabalho análogo à escravidão em todo o Brasil: Um dos casos que chamaram a atenção é o dos mais de 270 safristas resgatados em Bento Gonçalves (RS) sob violência física e psicológica, obrigados, inclusive, a consumir alimentos estragados. No Tocantins, trabalhadores vivendo em barracos de lona sem piso, sem banheiros e consumindo água de mina não tratada. Em São Paulo, 82 trabalhadores foram encontrados sem registro em carteira, sem equipamentos de proteção e transportados em veículos irregulares, entre outros casos.
Desde 1995, mais de 65 mil trabalhadores foram resgatados de situações análogas à escravidão no país. Os dados foram levantados por pesquisas da Secretaria de Inspeção do Trabalho (SIT) do Ministério do Trabalho.
Jornada exaustiva no contexto jurídico
O tema da escravidão contemporânea, com trabalhadores submetidos, de forma concomitante ou não, a condições degradantes, jornadas exaustivas ou restrição de liberdade, foi objeto de estudo do juiz Johnny Gonçalves Vieira, auxiliar do Foro Trabalhista de Anápolis, em sua dissertação de mestrado. A análise de 40 julgados trabalhistas entre 2019 e 2023 evidencia a falta de consenso sobre a definição de “jornada exaustiva” , com decisões que variam amplamente na consideração de fatores como a duração do trabalho (de 8 a 16,25 horas diárias), a concessão de intervalos e o impacto na saúde dos trabalhadores.
O estudo aponta para a necessidade de aprimorar a definição de “jornada exaustiva” no contexto jurídico, a fim de garantir uma proteção mais eficaz dos direitos dos trabalhadores e combater essa grave violação dos direitos humanos. e acordo com Vieira, a análise da legislação e da jurisprudência trabalhista revela uma falta de consenso sobre os critérios para definir a jornada exaustiva, com decisões judiciais que, por vezes, negligenciam aspectos cruciais como a intensidade do trabalho, a supressão de intervalos e o impacto na saúde física e mental dos trabalhadores.
A pesquisa destaca que, dos 40 julgados analisados, em apenas 18 foi reconhecida a jornada exaustiva como configuradora de escravidão contemporânea, e propõe uma nova abordagem para a conceituação de jornada exaustiva. O estudo aponta para a importância de se não apenas a quantidade de horas trabalhadas, mas também a qualidade das condições de trabalho e o respeito aos direitos fundamentais dos trabalhadores.
Obra em andamento
“A abolição da escravatura no Brasil aconteceu formalmente há 137 anos, mas ainda hoje é uma obra em andamento. É uma data a ser lembrada, mas não há nada a comemorar porque os números são alarmantes. Na última atualização do Cadastro de Empregadores que tenham submetido trabalhadores a condições análogas à de escravo, de 12/5/2025, constam 740 empregadores, sendo 100 casos de trabalho doméstico”, declarou o desembargador do TRT-GO Mário Bottazzo, gestor regional do Programa Nacional de Enfrentamento ao Trabalho Escravo e ao Tráfico de Pessoas e de Proteção ao Trabalho do Migrante (Pete+) no segundo grau da Justiça do Trabalho goiana.
Bottazzo afirmou ainda que essa chaga tem que ser erradicada e a Justiça do Trabalho vem fazendo sua parte, especialmente pelo diálogo com a sociedade e pelo desenvolvimento de ações educativas voltadas à prevenção. “Essa luta é de todos!”, frisou.
SA/JA/WF
Publicado em 15/05/2025
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