João Nascimento, Jornalista.
Hoje, sou avô de três netos lindos e inteligentes, inclusive a caçula, uma bela menina, que fará três anos em abril próximo. E isso, graças, primeiramente a Deus, e, depois, à minha filha, Ana Lídia, que se casou com Said Agel Filho, o garoto que foi sequestrado aos nove anos de idade e que, hoje, aos 44 anos de idade, é um terapeuta, salvador de vidas.
Ocorrido em 2 de agosto de 1989, na porta da residência de seus pais, no Setor Bueno, por volta das 19 horas, o sequestro de Said foi cinematográfico e ocupou espaço na imprensa por vários dias. Na época, o secretário de Estado da Segurança Pública era o então deputado estadual Ronaldo Jayme e eu era o seu assessor de imprensa. Portanto, acompanhei de perto toda a movimentação em torno desse crime.
Agora, fui intimidado pelo meu genro, muito querido, a escrever um livro sobre o acontecido. E aceitei o desafio. O certo mesmo é que o sequestro do então menino Said se constituiu num divisor de águas dentro da Polícia Civil de Goiás. Foi a partir dele que foi criado o Grupo Anti-Sequestro (GAS) que, recentemente, prestou homenagem ao meu genro.
“Esse sequestro foi totalmente contrário ao que o FBI e outros países ensinam. O negociador conseguiu tirar uma vida e colocar outras três dentro do cativeiro. Uma coisa totalmente fora do padrão. Esses criminosos, usando o carro forte, desafiaram as polícias de São Paulo, Minas Gerais e Paraná. Porém, durante a fuga o avião foi abatido e teve que pousar perto do Paraguai. A história é complexa, mas os bandidos nunca mais ousaram colocar os pés em Goiás”, disse o ex-delegado geral da Polícia Civil de Goiás, Marcos Martins Machado.
A verdade é que o sequestro do “menino Said”, hoje um homem de 44 anos, foi um dos casos mais emblemáticos. O sequestro do garoto, ao retornar de uma aula de karatê, protagonizou a maior perseguição policial do país há 34 anos: a fuga dos criminosos se estendeu por três estados e chegou até o Paraguai. O crime mobilizou mais de 400 policiais civis e militares por cerca de 2 mil quilômetros.
“Eles me pegaram na porta da casa do meu pai em um gol GTS grafite. Era mais ou menos umas 19 horas da noite. Me jogaram no banco de trás e me colocaram no assoalho e, enquanto seguravam a minha cabeça, saíram acelerando. Eles já estavam investigando meu pai há algum tempo, sabiam muitas informações a nosso respeito”, contou Said em entrevista ao Jornal Opção.
No dia seguinte ao sequestro, os criminosos oriundos do Paraná, fizeram o primeiro contato com a família de Said, quando um saco cheio de munição foi achado na porta da residência da família. Dentro havia um bilhete avisando do rapto e informando que logo instruções seriam mandadas, o que de fato ocorreu ainda naquele dia com uma ligação. O garoto estava bem, mas uma alta quantia de dinheiro deveria ser deixada, em um saco de lixo, dentro do “o” do letreiro do Shopping Flamboyant.
Começava, então, o sequestro que causou comoção em todo Brasil. Said ficou em cárcere por uma semana até o dia 9 de agosto, data em que foi trocado por três jornalistas: Carla Monteiro, Solange Franco e Mônica Calassi. O pai de Said, porém, precisou pagar um resgate de 100 mil cruzados novos (cerca de R$ 330 mil em valores atuais).
“Me colocaram em um quarto e disseram que queriam o dinheiro do meu pai. Começaram a me ameaçar desde o primeiro dia, que se o meu pai não pagasse o resgate, eles iriam me matar. Eles colocaram uma arma na minha cabeça e me fizeram gravar uma fita para mostrar que estava vivo. Nesse prazo de sete dias emagreci 10 quilos. Não comia praticamente nada, tomava água e às vezes me alimentava com carne e farinha seca”, disse.
A polícia chegou ao cativeiro de Said um dia após matar dois envolvidos no crime e prender uma cúmplice. No dia 8 de agosto de 1989, os suspeitos foram localizados quando usavam um orelhão para falar com a família da vítima, e houve uma intensa troca de tiros. Como o telefone público não ficava perto do cativeiro, os agentes continuaram atrás de pistas que levassem ao garoto.
Said Agel Filho e os filhos Said Neto e João Rafael Said, e esposa Ana Lidia | Acervo Pessoal
De acordo com o hoje terapeuta, servidor do Poder Legislativo estadual e pai de três filhos, aquele foi um dos momentos mais tensos de todo o seu pesadelo. Justamente porque ele ainda estava sob poder do bando quando os dois sequestradores foram mortos pelos agentes de segurança. Segundo ele, quando um dos criminosos soube do confronto, chegou a discutir com uma cúmplice para matá-lo. A polícia, no entanto, chegou no cativeiro neste momento.
“Houve uma intensa troca de tiros, me lembro com detalhes. Hoje eu enxergo o privilégio de poder ter passado por isso e ainda estar vivo. É um grande presente. Sou terapeuta e enxergo isso muito bem. Antes tinha medo que isso pudesse acontecer de novo, mas agora não tenho mais”, afirmou Said, que, também, é pastor evangélico e, portanto, considerado um homem de Deus.
Publicado em 25/03/2024